quinta-feira, 27 de abril de 2017

Memórias de I: Matemática - Parte 4

     A minha mente trabalhou rápido. E tão rápido quanto imaginava os castigos e advertências, formulava uma desculpa:
- Olá, senhora Maria! Como vai? - disse enquanto comparava o nariz dela com o nariz de um porco, e percebia que a estampa de seu vestido parecia com um lençol que tínhamos em casa, herança da bisavó Mercedes, que até avó Docinho achava horroroso, e o havia transformado em comida de traça, nem doar para os pobres a avó quis, disse: "Eu não gostaria de ganhar uma foto do demo, pra que vou dar o lençol dele pra alguém?". Acho que é por isso que nunca apresentei a diretora para avó. Se ela já não queria a foto, que dirá ver o demo em pessoa...cruz em credo!!
     A bruaca me respondeu com um sorriso parecido com o da Vandinha Adams no filme em que o tio Chico casa com uma loira oxigenada que tenta matá-lo (salvo engano, é "Família Adams 2"). Foi logo me perguntando porque eu estava saindo da escola faltando tão pouco para o sinal tocar. Pensei em dizer que nem havia entrado ainda. Porém seria pior. Então argumentei que precisava de folhas para o fichário. E não adiantou nada. Ela respondeu que havia folhas no bazar do colégio, e foi comigo até lá. Comecei a entender que assistiria aula, querendo ou não...
     Chegamos a um bazar lotado de alunos. E que não tinha nem meia folha de fichário para vender. Será que a sorte estaria se lembrando de mim? Iria ver a cor do céu e ouvir o barulho dos carros que passavam na rua. Distanciei-me, sem conseguir conter o sorriso, e novamente ouvi aquela voz de Graúna:
- Não há problema, existem alguns blocos na diretoria. Venha.
     Argh!!! Como queria esganá-la! Tinha que pensar rápido...A diretoria era composta por uma recepção, uma sala de espera e a sala da juíza carrasca. Na porta, uma placa escrito "DIRETORA", mas bem poderia ser Srª. Sexta-Feira 13 ou Freddy Grugger Filha (é assim que se escreve?!). Ela quis que eu entrasse em sua sala, quase soltei uma gargalhada. Qual o ratinho maluco o suficiente para entrar na casa da cobra com ela em casa?
     Fiquei aguardando na recepção, enquanto ela foi buscar o bloco. E pude ouvir, nitidamente, o ensurdecedor sinal do colégio. Lá estava eu, andando pelos corredores vazios, escutando a algazarra das diversas turmas abrigadas nas tantas salas de aula, fazendo festa para os professores. É claro! A minha turma era a única que tinha aula de matemática na Quarta-feira.
     Comprimi o bloco contra o corpo. Estava a dez passos da porta de minha sala. Pelo barulho a professora não estava em sala. O que era um alívio para os meus colegas, para mim era um risco. E se esbarrasse com a discretinha no corredor? Senti um calafrio percorrer minha espinha, um arrepio da cabeça aos pés. Olhei ao meu redor em busca de um abrigo. E lá estava o banheiro...
    Corri em direção ao banheiro feminino, pus a mão direita na maçaneta da porta. Um alerta, estilo neon Las Vegas, começou a piscar dentro da minha cabeça: "E se a professora estiver no banheiro? Não seja paranoica, existe banheiro na sala dos professores! Mas e se ela estivesse vindo para a sala quando sentiu uma dor de barriga? Melhor não arriscar." Virei em direção ao corredor, não poderia seguir por ele: "O que faço? O que?"
     Olhei para o lado e lá estava a porta do banheiro masculino. Não pensei, entrei.

*Continua*

(Texto de 1999, protegido por Creative Commons)

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