Harbor Azul, 20 de Junho de 2002.
Textura. Não é inusitado como, num espaço de cerca de dez
passos, o solo pode ter vários toques diferentes? É algo inexplicavelmente mais
perceptível em Harbor. Não precisa muito esforço! Basta chegar na praça
central, tirar os sapatos, fechar os olhos e andar em qualquer direção. Poderá
sentir viscosidade, suavidade, aspereza, umidade e maciez. É como redescobrir o
tato.
Se for inverno, não haverá empecilhos para a caminhada às
cegas. A baixa temporada tem suas vantagens – poucas pessoas, mais
tranquilidade, mais silêncio, temperaturas calorosas na medida. As cores
permanecem vibrantes, tanto quanto os olhares das mulheres cruzando as vielas.
Suas risadas reverberam por salas, cozinhas, varandas, contaminando tudo com
uma alegria de viver cuja realidade não justifica.
Por falar em cozinhas, os sabores dessa terra são
indescritíveis. É claro que a maior parte dos ingredientes chega junto com os
barcos, na primeira hora da manhã. A maresia toma para si os narizes a ponto de
nausear estômagos fracos. O frescor dos alimentos dá outro sabor a pratos tão
conhecidos e novas combinações, como o abacaxi com queijos e camarão, arrebatam
todos os paladares. Aqui é comum ter frutas em todas as refeições do dia. Não reclamo,
só tenho a agradecer à vida.
A maior parte dos homens vive do mar e de seus frutos. Mas
há carpinteiros, artesãos, comerciantes, cabeleireiros, mergulhadores. Estes
últimos são como tritãos, tem fala ritmada feito música e exalam um feromônio-bambeador-de-pernas-de-mocinhas.
Arrancam suspiros das nativas e, muitas vezes, gemidos das turistas. Sim, você
entendeu! Não, não me afetam. Talvez porque o fundo do oceano já era minha
segunda casa antes de chegar. Ter seu próprio brevê é como ter guelras e um aviso
de afaste-se.
Falando no oceano, a profusão de cores e vida é ainda mais
apaixonante a partir de dez metros de profundidade. Os recifes abrigam
berçários os quais, enquanto estou na região, brigo para proteger. A variedade
de espécimes poderia me ancorar no futuro. Quem sabe?
No final do dia, quando o Sol pinta absolutamente tudo com
tons do amarelo ao vermelho por horas, atravesso calçadas, meneando a cabeça
para os cumprimentos efusivos dos moradores, rumando firme para a praia.
Sentada na areia, escuto o soar dos sinos de uma igrejinha distante. Vejo os
jangadeiros retornarem em seu ritmo suave, ao balanço das ondas brilhantes acobreadas. Um aroma misto de flores, peixes na brasa e
água de coco não me permite esquecer de onde estou. Mas o pôr-do-Sol sempre
traz o passado à tona. É impossível não pensar em você...
Quando a Lua chega, prateando o horizonte, mergulho mais uma
vez nesse mar enorme, quente e transparente, lavando a alma dessa nostalgia
ressurgente – e desejo que seja o último do dia, rezo para a insônia não me
guiar de volta.
Saio da praia quando os jovens chegam, barulhentos,
perfumados, montando mesas de areia para um luau que só termina quando a Lua se
despede. Um prazer que já não me apetece.
Escrevo-te de um mini bangalô aconchegante, com cama no
chão, porém macia, chuveiro quente e vista para as estrelas de todos os lados.
Estou em Harbor Azul há semanas, significando que, quando receber esta carta,
já estarei novamente na estrada. Segue no envelope o endereço do paraíso e
registro aqui minha provocação para conhece-lo. Viverias bem nesse lugar,
certeza. Ao menos enquanto essa calmaria durar – sabemos que esses oásis da
nossa terra não permanecem anônimos por muito tempo.
Quando chegar ao novo destino, seja qual for, entro em
contato novamente. Preciso confessar que meu ano sabático tem gosto agridoce.
Meu espírito cigano tem se divertido e apaziguado. Mas eu sinto sua falta,
exatamente como lhe disse que sentiria.
Por favor, cuide-se.
Com carinho,
Sua Sereia.
P.s.: Gravei na pele, como sugeriu tempos atrás, uma rosa
dos ventos. Ao invés do Norte escrevi “prometo”, a última palavra que dissemos
um ao outro. Está no tornozelo direito. Achei que deveria saber.
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