quinta-feira, 11 de maio de 2017

Memórias de I: Matemática - Parte 6

     Quando saí do banheiro a minha turma já estava quieta. Tomei o cuidado de passar bem longe da sala. Segui, devagar, até o vestiário feminino. Ao entrar reparei nas bolsas jogadas sobre os bancos no centro do vestiário. Não havia ninguém na quadra, daria para ouvir qualquer ruído vindo de lá, até a respiração de uma formiga. Também não havia ninguém no gramado, caso contrário a janela não estaria aberta. "Deve ser natação...sorte que a piscina fica do outro lado!" 
     Pulei a janela com cuidado. Faltava pouco. Percorri o estacionamento, agachada, me escondendo atrás dos carros. Não foi difícil chegar até o murinho atrás do prédio do primário. Complicado foi cronometrar o tempo que o inspetor levava para passar em frente ao murinho, dar a volta no prédio e passar pelo murinho de novo. Desde a fuga do tal Zeca, o muro estava sendo vigiado. Eu tinha que dividir o tempo de uma maneira que ele estivesse longe o suficiente para não me ouvir pular o muro. Mas não tão longe a ponto de já estar próximo ao muro de novo. E tinha que sobrar tempo hábil para eu pular ou desistir de pular o muro, caso houvesse algum problema. 
     Examinei o bendito muro chapiscado com muita atenção. Parecia um especialista em artes examinando um suposto quadro de Van Gogh. Feliz, sonhando com uma imensa banana split (pena que não façam mais...), batatas francesas (batatas fritas, seu mal-informado!), e um delicioso hambúrguer com queijo cheddar (advinha de onde!), joguei a mochila para o outro lado e fiquei escutando ela caiiiiiiirrrrr... 
- Pi-pi-pi-pi-pi... 
     "Mas que raio de Pipi é esse? Barulho cha..." Não completei a frase porque já estava me enfiando atrás de um carro. O barulho era o alarme do relógio, avisando que o inspetor estava voltando. Observação: o estacionamento tinha uma parte de frente para a parte de trás do prédio do primário, ou seja, do murinho. Entendeu? Seja criativo. 
     Tudo já estava calmo, e era a minha vez de pular para a liberdade. Livre da discretinha e seus conceitos de matemática! Atravessei o pequeno beco que ligava o estacionamento ao murinho, apoiei o pé sobre um fino rodapé de ardósia, apoiei com as mãos, as mesmas com que dei impulso, e vualá (não sei francês, mas sei que você entendeu) um terreno vazio a minha disposição. 
     Sentada sobre o muro me dei conta de um detalhe. A parte de fora era mais alta que a de dentro, ou seria mais baixa? Bom, o que importa é que o chão estava mais longe. Senti um frio na barriga. Medi a mim mesma. Senti o frio de novo, o relógio começou a apitar... "É agora ou nunca. Liberdade ou..." Eu me joguei.

*Continua*

(Texto de 1999, protegido por Creative Commons.)

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