segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Maldições Burocráticas: Efeito Espirro

- A... A... A... Aaatchim! - O barulho ecoou por todos os corredores, mais parecendo o retumbar de um trovão do que um espirro. As bochechas coraram rápido e o coração parecia ter parado. Era óbvio que mesmo a mais surda lagartixa-da-caverna teria ouvido.
  Antes que outro espirro escapasse, prendeu a respiração e largou o pesado livro empoeirado na prateleira mais próxima. Enquanto soltava o ar lentamente, analisou novamente a capa que tanto lhe chamara atenção alguns minutos antes, quando um fio de luz, refletido pelo imenso brinco dourado da senhora Bibliotecária, tocou sua superfície e fez reluzir o material furta-cor brilhante.
"Talvez seja feita de escamas de sereias... Ou de dragões!" - um pensamento que o motivou a ficar na ponta dos pés e puxar o livro de cima da estante mais alta, provocando uma tempestade de poeira sobre seu alérgico nariz.
  Agora, com o livro tão próximo, não conseguia ter ânimo de examina-lo. Apenas aguardava paciente a chegada de sua algoz, relembrando as palavras impressas em todos os cartazes espalhados pelo local:
NENHUM BARULHO PASSARÁ IMPUNE.
Durante a espera, a qual parecia infinita, revisitou na memória sua última longa conversa com ela há... Quando teria sido? Já havia esquecido como funcionava o relógio faz tempo.
- Olá, senhora Bibliotecária!
- Fale baixo.
- Mas estou sussurrando!
- Então sussurre mais baixo. - ele a encarou, aguardando o cumprimento. Revirando os olhos, respondeu atravessado - Olá.
- Pois muito bem, senhora... - apertou os olhos - Afinal, qual é o seu nome? Venho aqui desde que me lembre e não sei.
- Bibliotecária.
- O que você faz, eu sei. Mas e o seu nome?
- Bi-bli-o-te-cá-ri-a.
Ele bufou:
- Você deve ter um nome, todos nós temos um nome. O meu por exemplo é...
Ela estalou os dedos e sua boca havia simplesmente desaparecido da face, como se apagada por uma borracha. Ele apalpava o rosto, num misto de desespero e raiva.
- Nome não é algo que se conte, garoto! Mantenha esses lábios selados.
- huuuum huuum huuuuuum
- Affz! - estalou novamente os dedos - Diga, seu tagarela.
- Não ia te dizer meu nome meu nome! Mas meu nome que escolhi para ser meu nome!
- Ora essa! E por acaso deixou de ser seu nome só por que você escolheu? Capaz de ser seu nome mais do que seu nome, já que se identifica com ele. - ela suspirou - Aprenda, moleque, nome não se diz, principalmente aqui, onde os livros registram tudo.
- Não sou um moleque! A senhora bem sabe que envelheci, cresci, não sou o pirralho que se escondia na sessão infantil!
- Você não tem sequer um século. Cheira a leite e fraldas.
- Eu sou humano! - disse ele, exasperado - Não completo séculos!
- Oh, é verdade! O quão efêmera sua espécie é... - e seguiu para os confins da biblioteca - Que pesar... Que pesar...
- Debochada!
Estava perdido no passado (ou seria presente?) quando um forte brilho ofuscou seus olhos, causando ardor. Não precisava enxerga-la para saber que finalmente havia chegado, com seus longos brincos dourados em formato de gota, refletindo um bendito fio de luz sem origem distinguível. Porém, por mais inacreditável que pudesse ser, a bruxa não emanava raiva, apenas satisfação. Em consequência, cada pêlo de seu corpo eriçou. Era medo.


(Continua. Quer dizer, provavelmente.)

2 comentários:

John Wolf Lee disse...

Cadê continuação?

Eu tardo, mas não falho. E tu? Vai desistir?

Nanny Nascimento - A Sonhadora disse...

Não sei. Tentei algumas vezes, mas travei. =(